Dia VIII – Viagem à Rocha Dourada

Hoje arranjámos, no hotel de Bago, um motorista para nos levar de carro até Kinpun, que serve de base para visitar Kyaiktiyo (conhecida como Rocha Dourada), um dos lugares mais sagrados do Myanmar.

Saímos de Bago bem cedo, o motorista a assapar e a apitar pelas ruas caóticas, onde o número de faixas é igual a quantas motas e carros couberem e não às que estão marcadas no chão. Repentinamente o carro pára e, enquanto o diabo esfrega um olho, estávamos seis pessoas lá dentro, em vez da lotação máxima de quatro. O motorista decidiu dar boleia a três amigas até à próxima cidade. Uma delas ia praticamente no colo da Sofia.

Ao chegarmos a Kinpun, fomos enfiados como gado na traseira de um camião modificado para levar umas sessenta pessoas montanha acima até à Rocha Dourada. Estes veículos são os únicos autorizados a circular naquele tapete de cimento íngreme que serpenteia pelo meio da selva, ao qual chamam estrada. Parece que está planeada para breve a construção de um teleférico que tornará a subida bem mais confortável, mas também menos radical.

Uma meia hora (e algumas nódoas negras dos apertões e solavancos) depois, estávamos no topo da montanha. Dali prosseguimos a pé até à Rocha Dourada, tendo sido abordados várias vezes por birmaneses que nos pediram para tirarmos fotos com eles.

Dia IX – Autocarro para Mandalay

Estamos dentro de um barracão de madeira sem janelas nem porta, mas aberto para a rua, com teto alto de chapa e chão de cimento cheio de pó, onde se passeiam dois cães e de vez em quando galinhas. As paredes, outrora brancas, estão cobertas de teias de aranha. Lá fora, vemos um terreiro lamacento rodeado de mais barracões e é daí que entra alguma luz. Caso contrário, estaríamos totalmente às escuras. Apontam-nos umas cadeiras verdes de plástico para nos sentarmos. Estamos na sala de espera da estação de camionagem de Bago, sem saber a que horas chegará o nosso autocarro para Mandalay.

O “dono” está sentado numa secretária à entrada e fala ao telemóvel numa voz grave e muito alta. Dois funcionários passam livros entre si onde registam tudo à mão. De vez em quando, um deles levanta-se e vem deitar-se numa cama de madeira à nossa frente. Repete este vai-e-vem algumas vezes até começar a cantar baixinho para si mesmo. Sorri-nos. Sorrimos-lhe. Daí a pouco liga o telemóvel a uma coluna portátil bluetooth e põe uma agitada música birmanesa a tocar. Olha para nós. Novos sorrisos. A música mais e mais alta. Ele a cantar o refrão numa animação crescente até o dono se juntar também à canção, acompanhando o coro com a sua voz grave, muito alta. Um na entrada, o outro no vai-e-vem daí para a cama e um terceiro de barriga para o ar noutra cama. E nós ali no meio a pensar que estavam todos malucos. Para terminar, quando finalmente chega o nosso autocarro, na pressa de levar as malas, um rapaz pega nas duas ao mesmo tempo, enrola o chinelo numa fita de plástico e estatela-se desamparado no chão!

A viagem que começou às 11:00 só terminaria em Mandalay às 20:00, num autocarro confortável e moderno com filmes birmaneses a passar na televisão acompanhados por muitas gargalhadas dos outros passageiros. Para combater o ar condicionado gélido, colocaram em cada assento umas mantinhas individuais que nos pareceram ser para cães, já que os padrões nelas estampados eram ossinhos, pegadas e coleiras.

Dia X – Mandalay

Já passava das 9:00 da manhã quando apanhámos um barco em Mandalay para visitarmos Mingun, uma pequena localidade à beira rio onde um rei quis construir o maior pagode do mundo. Há que ser paciente, que o senhor da bilheteira gosta de conversar com cada um dos turistas perguntando-lhes a sua nacionalidade e tecendo considerações várias, ainda que a fila que formamos já vá longa. Não há problema – explica ele – o barco só parte quando todos tiverem bilhete.

A viagem de barco até Mingun demora uma hora. Por aqui as águas dos rios são castanhas e nas margens há pessoas a cultivar a terra com vacas brancas de bossa, enquanto outras pescam, tomam banho ou lavam roupa. À chegada, vendedores de bugigangas aproximam-se a correr dos turistas que, por sua vez, se apressam a fotografar uma carroça puxada por duas vacas em cuja cobertura se lê a palavra “taxi”.

Seguimos a pé, sabendo de antemão que os pagodes e ruínas a visitar não são muitos e que ficam relativamente perto uns dos outros. Entre estes, gostámos especialmente do pagode de Mingun que, apesar de inacabado, é majestoso; do sino que o mesmo rei quis que fosse o maior do mundo (é atualmente o terceiro) e do pagode Hsinbyune, todo branco, que nos sobe ao céu em sete terraços ondulantes, representando as sete cadeias montanhosas que rodeiam o Monte Meru – a montanha no centro do universo budista.

O barco regressou à hora marcada (13:00) mas, passados alguns minutos, fez meia volta para ir buscar um casal idoso que tinha ficado para trás. Vimo-los ao longe, a caminhar apressados na nossa direção, mas não é que depois nem pararam continuando a andar teimosos e vermelhos margem fora? Algumas pessoas tentaram explicar-lhes que já só restava aquela embarcação para regressarem a Mandalay mas nem um rapaz americano que saiu no seu encalço os conseguiu convencer a voltar connosco. As boas ações são recompensadas – acreditam por aqui – por isso a menina que vendia bebidas foi prontamente oferecer uma garrafa de água ao nosso herói graças a quem o barco partiu finalmente.

A parte da tarde foi passada a visitar a estátua gigante de um buda invulgarmente magrinho e alguns dos pagodes mais conhecidos de Mandalay, cujos nomes esqueceremos ao contrário do episódio que vivemos pelo caminho. Íamos nós a pé estrada (interminável) fora, quando fomos abordados por uma carrinha de caixa aberta adaptada para o transporte de passageiros, como tantas as que circulam pelas cidades birmanesas. Já cansados, nem hesitámos e entrámos logo. Além disso, estava praticamente vazia e não iríamos super-apertados como já tínhamos visto outras. Não por muito tempo, todavia. Daí a pouco, fomos invadidos por dezenas de monges ainda miúdos: uns a sentarem-se na parte de dentro ao nosso lado, outros a subirem pelos lados para se irem sentar no tejadilho e os que já não tinham lugar, empoleirados na parte de trás da carrinha. Foi só rir. E eles connosco.

Dia XI – Mandalay

A maior ponte de madeira (teca) do mundo, com cerca de 1200 metros, situa-se a sul de Mandalay, em Amarapura, a penúltima capital real do Myanmar. Eram 5:30, e ainda completamente escuro, quando aí chegámos e começámos a ser devorados por mosquitos famintos. Fomos logo abordados por barqueiros que nos queriam levar ao melhor spot pela módica quantia de 10000Ks (cerca de 8€). Rejeitámos a oferta do serviço e procurámos a nossa própria visão do local e não aquela que se vê nos postais.

O espetáculo surreal daquele nascer-do-sol deixou-nos tão absortos que nem demos pelo tempo a passar. Eram quase 9:00 e a barriga roncava que nem um gorila, mas por estas bandas não há pastelarias nem cafés com tostas. Há as chamadas casas de chá – apesar do nome ser romântico, não passam de uns barracões com pequenas cadeiras e mesas de plástico. Optámos por pedir ao rapaz que nos atendeu um arroz branco cozido com um ovo estrelado. Para beber, um chá birmanês, que é a bebida típica, feito com uma mistura de chá e leite condensado. A Sofia ainda se aventurou num tofu frito (oferta da casa) mas o meu estômago não dá para este tipo coisas logo pela manhã.

E se vissem alguém ao lado a emitir uns sons parecidos com beijinhos ou como se estivessem a chamar um cão? Nada a estranhar! É apenas alguém a chamar o empregado. Já experimentei várias vezes e ficam logo em sentido, vindo a correr à mesa.

O resto do dia foi passado a ver pagodes, templos, ruínas e sei lá mais o quê… Nalguns lugares, há uma espécie de polícia da fotografia (vêm pedir dinheiro para se poder ter a câmara fora da mochila) e em quase todos há sempre uma infinidade de vendedores de bugigangas e souvenirs. No caso do templo Mahamuni Buda, é de tal ordem a extensão de vendedores que faz lembrar uma medina marroquina. A grandiosa estátua de Buda aí existente, toda em ouro, foi trazida de Mrauk-U como despojo de guerra quando aquela cidade foi conquistada pelo reino de Mandalay. Hoje em dia há um ritual de lavagem da cara (às 4 da manhã), sendo esta a única zona onde não são permitidas colagens de novas folhas de ouro pelos visitantes masculinos. Curiosamente, as mulheres não se podem aproximar, nem sequer entrar na câmara interior onde está o Buda.

Dia XII, XIII e XIV – Rio Irrawaddy e Bagan

Tínhamos lido maravilhas sobre a viagem de barco entre Mandalay e Bagan. Foi esse o meio de transporte que usámos e que se veio a revelar uma grande seca. São dez horas rio abaixo numa monotonia entediante, especialmente para quem já fez previamente duas viagens de barco muito boas no Myanmar. Porém, pode ser uma boa alternativa para tirar um dia descansado, pois a viagem de barco é muito confortável. Ficámos a saber que, além de autocarros, há táxis que fazem o mesmo preço do barco e que o tempo da viagem é muito mais curto, com a vantagem de deixarem logo os passageiros no hotel ao invés de terem de apanhar outro táxi no cais de desembarque. Em Bagan, os taxistas pedem fortunas por uma viagem curta que, se não fossem as malas, fazia-se bem a pé.

Nos dias seguintes, alugámos uma scooter elétrica no hotel que nos permitiu explorar livremente toda a zona dos espetaculares templos. Atingindo uns estonteantes 20km/h (segundo o velocímetro, mas parece andar a mais), a scooter transformou-me rapidamente num condutor birmanês, apitando a tudo o que mexe. De notar que no Myanmar os sinais de trânsito são praticamente inexistentes. A grande atração de Bagan é percorrer as estradas de terra batida explorando os templos e campos agrícolas, com os cabelos ao vento e o ar fresco a bater na cara.

Como é da praxe fomos ver o pôr-do-sol para o terraço de um templo que, segundo tínhamos lido, era dos menos concorridos. Não sei se as coisas mudaram ou se os outros ainda são piores, mas o que escolhemos foi invadido por centenas de pessoas. Ainda faltavam duas horas e já havia mais de uma dezena de tripés a marcar lugar.

Não sendo o que tínhamos idealizado por causa da confusão, o pôr-do-sol esteve à altura das expectativas. Deixo a foto falar por si…

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